quinta-feira, 5 de julho de 2007

Velha Banguela




Velha Banguela



Velha, velha banguela
Já são duas da tarde
Limpa ao menos a remela
Nos teus olhos de maça

Seqüela!
Tua poema é senil
Cabelos de neve
Feito espigas de milho
Nos desertos de Marte

Delira, confessa!
Tua boca banguela
Resmunga coisas sem nexo
O feijão tá na panela
A velha senhora
Pensando em sexo

Vão bora!
O tempo passou na tua vida
Sem que tivesse beijado
Quantas bocas queria

Velha senhora
E agora?
Crepúsculo no teu caminho
Tua boca mendiga esmola
Com dois dentes somente

Mente!
Diz que parte contente
Acaso viveu tudo que podia?
Pisou em toda terra existente?
Leu tudo que há em poesia?
Mergulhou sempre no rio
Em dia de Sol escaldante?
Não poupou teu riso e tua alegria
Quando felicidade havia?
De amor se embriagou
Em cálice transbordante
Quando sua presença
Despontou em tua vida?
Confessou esse amor ao menos
Quando em teu peito ardia?

Somente fingia...

Ah, velha demente!
Jamais compreenderá os poetas
Nem recitará versos à luz da lua
Dos sentimentos
Faz economia
A vida não vive
Mendiga...
Resmunga a cada dia
Feito estivesse
Na feira num sábado
Palpando batatas
Cotando trocados
Somando, subtraindo, dividindo

Meu Deus, será que vai dar para pagar a conta?

Ah, velha caduca, tu deliras, confessa!
Nem crê merecer as melhores batatas
Sequer lançar um olhar ao bacalhau
Estendido no açougue tu ousa
Se contenta com as batatas amassadas
Podres, bolorentas, baratas

Ah, velha demente
Os poetas se reúnem
Sob a lua cheia reluzente
Cantamos a tristeza que vives
Degustando a ceia dos felizes...

Vivemos a vida ao extremo
No dia em que partiremos
Iremos saciados
Porque o tempo é chegado
Em viver fartamente
De modo pomposo
Rico em sentimentos
Embriagados até o êxtase
Porque de graça nos foi dado
Por dom de Deus

Nossa missão cumprimos
Trazendo ao mundo poesia
Cada uma delas vivendo
Com gratidão e bonança

Pobre velha coitada
Tua vida é inteiro lamento
Teu coração
Mais enrugado que a cara!

Viveu a vida
Feito morta
Resmungando o passado
Não aprendeu a lição:

O copo cai no chão
Estilhaça em mil pedaços
E agora, o que faço?
Junto os cacos
Meu coração refaço
Chorar leite derramado
É pecado!

Se tua vida é vivida
Feito morta
Como morrerás a morte
Feito viva?

Ah, velha caduca
Tu deliras, confessa!
Vão bora!
O feijão já queimou na panela
A velha pensando no sexo
Que não fez quando tinha
Dezenove anos...

Já é fim do dia
A barriga continua vazia
A luz se finda
As sombras caem
Em tua vida

A boca se cala
Olhos se fecham
A respiração se corta
Teu coração pára...

Adeus velha senhora!



Rob Azevedo





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