quinta-feira, 5 de julho de 2007

De Gato de Botas à Lobo da Estepe




De Gato de Botas à Lobo da Estepe

-> Trilha sonora


Assisto um jogo
De baralho
No xadrez quadriculado
De meu cárcere privado
E pano estampado
Da calça desfiada
Surrada, desbotada
Que desfilo remendada
Com pose de modelo
Rasgada no joelho
Desde a penúltima quadrilha
De Festa Junina.

Comprei novinha
Em mil novecentos e oitenta e seis
Exibida na vitrine
Duma loja notória
Bem na esquina
Da Sunset Boulevard Avenue
Com a Pacifc Ocean Street
Lá no alto
Do morro da Mangueira
Subindo o escadão
É contígua à boca de fumo
Da famosa quadrilha
Do "saudoso" Escadinha.

Sangue frio e calculista
Observo o carteado
Sobre a mesa.

No boteco do seu Jorge
Entre nuvens de nicotina
Bebidas e drogas
O ambiente é pesado
Denso
Lembra um filme
De Hitchcock.

Os olhares são desconfiados
As mãos por baixo da mesa
Acariciam
A coronha d`alguma pistola
Com bala na agulha
Porque entre aqueles
Que jogam o carteado
Os Judas
São muitos.

Ah, se ao menos soubessem
Sempre li Herman Hesse
Sou Lobo da Estepe!
Criado nos desertos áridos
Onde vicejam espinhosos cactos
Deles, se preciso, me alimento.

Meu engenho
Vem da Arte
De ser anjodemônio
Bem de acordo
Com as intempéries.

Meus olhos
São de águia
Espreitam do alto
Sem serem vistos.

De tudo sei
Ainda que não saibam
Do meu saber
Porque assim tenho
Um Az na manga.

Se alguma víbora me atraiçoa
O veneno que em meu sangue inocula
Não me derruba
Mas amolda meu Ser
Tornando predador que devora
Répteis nocivos pegajosos
Que se arrastam sobre pedras.

Ainda que seja filho
Do Santo Pai Bento
Exorcista diplomado
Conhecedor das artimanhas do Dragão das Trevas
E mais forte que a Sombra
Ungido na Luz
Da Sagrada Cruz
Em mim habita
Em celeste paz
Deus e o Diabo.

Então cuidado!

Cuidado!

Estou sempre desperto
Mesmo sem meus olhos
Pousarem sobre seus atos
Ou meus ouvidos
Escutarem sua voz
Dialogando com os seus.

Cuidado!

Sou muito acordado!

Estou sempre desperto
Ainda quando durmo
Me ausento
Me encontro distante.

Cuidado!

Minha Luz que ilumina
Pode tornar-se chama
Ardente que queima.

Nenhuma gota de suor escorre por minha face
Acompanho o carteado
Frio, analítico, sensato, imparcial
Racional
Senhor de mim
A mão direita
Freqüenta o bolso
Da jaqueta
Meus dedos
Alisam o gatilho
De uma pistola.

O quadro do ambiente,
De todos oponentes,
Tenho em minha mente
Em imagem
De Raio X.

Conheço suas tramas
Sórdidas
Cada artifício que usam
Manipulações
Concessões interesseiras e enganosas
Para que de presente diante a nós
Concedam a si mesmos o dobro
Elevando o resultado ao cubo.

Suas legislações conheço
Em causa própria
E imposições resguardando
Seus interesses
Em detrimento dos nossos.

Conheço a mão
Que dá somente
O que sobra quando não usa
Tirando tudo
O que temos.

Conheço aqueles
Que sentem os sapatos
Lhes apertarem
Mas desconhecem os calos
Que seus passos
Provocam
Em nossos pés.

Abrem a boca
E gritam as dores
Que lhes martirizam
Ignorando aquelas
Que nos agoniam.

Seus ouvidos só escutam
O que desejam
Massageia o ego
Relevam avisos
E observações
Realistas.

Exigem o pão sobre a mesa
Quente, com mel, geléia e queijo
Ao lado do jarro
De suco de frutas.

E nos dão
Migalhas bolorentas
Lançadas ao chão
E água de torneira
Um vintém sem valor em um milhão
Ainda julgam e dizem a todo momento
De uma forma ou outra, velada ou explícita
Mas sempre com ar garboso
Nos darem tanto, bem mais do que merecemos
Que mereciam um monumento
Em praça pública
Um busto, com o semblante ajeitado
Para que pareçam mais vistosos
E nome em ouro gravado
Em placa de mármore
Para que tenham ares
De gente importante
E ainda querem
Um jardim florido em torno
Sempre bem cuidado.

Acompanho o carteado
Sobre a mesa
Sei o que transcorre
Por debaixo
E nos bastidores.

Sei de cada legionário
Que arrebanham
Meus oponentes
Para que mais fortes
Me enfrentem.

E só blefo
Quando mentem
Meu blefe: Fingir acreditar
Quando julgo apropriado
Ao meu modo, averiguando os fatos
Fazendo deduções
De acordo com meu pensar.

O que disseram
Nessas horas
Relevo
Tudo há de ser
Comprovado.

Pistas investigo
E meus delitos
Não deixam rastros.

Só acredito
No que é crível
No que é dúbio
Duvido.

E Histórias da Carochinha
Abomino
Ainda quando escuto
Com um sorriso
Estampado no rosto.

Nesse jogo
De Reis e Damas
Paus e Espadas
Valetes e Coringas
Azes e Copas
Todos marcados
Não se têm amigos
Mas canibais
Puro instinto
De sobrevivência.

Mal sabe que disse
Quem deu as cartas
Alea jacta est...

O haver se esvai
Torna-se havia
E morre vinte mil
Léguas submarinas
Além do pôr do Sol
Que beija o mar
Em tardes lilases
No horizonte anil.

Senão me entendeu
Ao menos me leu
E isso basta
Ao Gato de Botas
Lobo da Estepe
Que de repente comeu
A poesia que nasceu
Ao acaso no deserto
Usando as patas
Encolhendo as unhas
Ajeitando os pêlos - da barba
E ouvindo estórias
De Quincas Borba.

De resto
O tráfego é intenso
Em horário de rush
Na Avenida
Dos Bandeirantes.



Rob Azevedo






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