quarta-feira, 4 de julho de 2007

Deus te Guarde




Deus te Guarde



O cenário que vejo da janela do meu quarto
De repente me entristece
Céu tão cinza
E murmúrio de chuva caindo
Mergulha minh`alma em nostalgia

As montanhas ao longe
Têm aspecto sombrio
Como se nossas dores
Nada importassem

A claridade se esvai
Devagar anoitece
E o tic-tac do relógio
Soa monótono
Ecoando tempo perdido

Mirei outrora o céu cinzento
Agora um retrato preto e branco
Dum menino esmirrado
Na formatura do ginásio

No verso da foto
Linhas tremidas
Por ele mesmo escritas:


Deus te guarde
Por todos os dias de tua vida
Mãe
Essa foto é pra você



Olhei pro lado
Levantei da cadeira
Fui ao quarto de minha mãe
Idosa
Deitada na cama
Mirava um ponto vazio no teto
Nem se mexia
Era como se eu não estivesse ali
Quietinha
Serenamente
E doente
Fazia oito anos
Entrevada naquela cama

Lembrei de quando entreguei à minha mãe
Aquele retrato preto e branco
Da formatura do ginásio
Segurando orgulhoso meu diploma
Que me fez tão contente
À ela chorar tanto
Naquele instante
Fui novamente o menino esmirrado
Tímido e sonhador
Que sentava nas últimas cadeiras das salas de aula
E na hora do recreio
Abria a mochila
Pagava o lanche preparado por ela
Comia num canto do pátio
Um tanto envergonhado

Todas as manhãs
Bem cedo
Ela quem me acordava
Preparava meu café
Me aconselhava mil coisas
E se despedia de mim
Com um beijo no rosto
Acenando dizia:


- Deus te guarde!


Quando voltava da escola
Preparava meu almoço
E eu lhe respondia mil perguntas
Sempre mentia
Dizendo que todas minhas notas
Foram azuis

Ela ficava tão feliz
Torcia tanto por mim
Que ainda hoje não admito
Que alguém me diga
Ser meu fã número um
Porque esse lugar
Tem cadeira cativa
E é dela
Sempre devotada comigo a vida inteira
Até quando pôde
E não tão somente
Quando viu meu lado bom florescido
Por ela educado
Gentil com todos

Foi testemunha de minha asma
Em crises tenebrosas
Deixando a família inteira em pânico
E minha rebeldia infanto-juvenil
Sempre quebrando as vidraças da sala
E vasos de plantas
Jogando bola dentro de casa
Matando as aulas da escola
Autêntico turista
E se envolvendo em brigas de rua
Fui crescendo e perdendo o rumo
Chegando em casa embriagado
Fumando cigarro e maconha no quarto
Mas um dia acertei o prumo
Ela deu graças a Deus
E ouvi então seus conselhos:

Sou um bom rapaz
A custa de seu empenho

O amor dessas mulheres
A quem tenho feito tantas poesias
É passageiro
Passageiro e enganoso
Hoje diz eternidade
Amanhã adeus
No intervalo
Nem sei

Mas o amor que ela me deu
Não se apagou
Com o tempo
Nem porque adoeceu
E já não pode me dizer Eu Te Amo
Agora lembrando de tudo eu sei
Pus a foto do menino esmirrado
Na formatura do ginásio
Em cima da cômoda
Ao lado da cama de minha mãe
E me retirei ao meu quarto
Quando voltei para lhe dar boa noite
Vislumbrei seu olhar
Fixo naquela foto
Como se lembrasse o que havia escrito no verso
E de seus olhos
Docemente
Vertia lágrimas
Feito a chuva caindo lá fora
Do céu cinza

Não afeito ao choro
Pela dureza de meu espírito
Retribuí tamanho amor
Numa prece silenciosa:


- Deus te guarde
Mãe!




Rob Azevedo





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