sexta-feira, 22 de junho de 2007

O Morro dos Ventos Uivantes




O Morro dos Ventos Uivantes


-> Trilha sonora


Janelas e portas
Sacolejam
Sob a força do Vento
Uivando na noite

Batem
E pelas arestas
O ar fresco de Outono
Entra
Como se viesse
Visitar-me
Clamando impetuoso
Minha companhia

Partir com o Vento uivante
No negrume da noite afora
Farfalhando os ramos das árvores
Que pendem desprendendo folhas
Levadas ao léu

A chuva fina cai
Em diagonal
Ora num sentido
Adiante noutro
Descreve curvas
E nunca
Segue em linha reta

Portas e janelas batem
Em seus umbrais
O Vento uiva
Vindo levar-me
Consigo aonde
Estarei comigo
E os espíritos noturnos

Apartado da Luz
Nas Sombras do Amor
D`algum vale ermo
Ou à beira de abismo
Meu lamento profundo
Não será inoportuno
Àqueles que desconhecem
A Dor

Ó, Dor!
Minha vil companheira
Algoz de sonhos...

Por que a Deus pedi
Que tudo sentisse
À flor da pele?
Que sentimento não me faltasse
Doce como o líquen das flores primaveris
Ou amargo feito o fel das vísceras
Dos Anjos Caídos
Para que meus dedos
Escrever pudessem
Versos onde
Sentimento em verdade existisse
Tocando a alma
Daqueles que sentem...

Ah, Deus!
Por que foste tão generoso em atender-me
Com Amor sem tamanho
E Dor cruciante
Sem que houvesse
Remédio que alivie
O sofrer que me causa?

Versos escrevi
Os mais belos!
De Amor, Amor e Amor
Amor que não vivi
Sofri!
Para que pudesse
Versos de Dor
Compor sofrendo
Lancinante Dor
De Amor sofrido...

E assim comovessem
A alma daqueles
Que lêem

Poesia é sentimento
Jamais puramente
Combinação estética
De belas palavras
Ou arquitetura de prédios
De concreto e aço

Tolos!
Deuses pagãos dos versos ocos!
Vos leio
E vomito
O Nada abissal
Dos parnasianos!

Onde que não vi?
Onde se encontram vossas almas
E corações
Nos versos que compõem
Feito construíssem
Obras de concreto armado
A mando d`algum burocrata empedernido
Para que se lhe rendesse homenagem
Ao longo dos tempos...

Pobres dementes do espírito
Belos arranjos de palavras
De acordo com os ensinamentos arquitetônicos
Da estética harmoniosa

E por dentro
Tudo oco
A ninguém toca!

Mero vazio
Agradável aos olhos e ouvidos
Sem jamais
Falar à alma
Porque não deram
Voz a Deus
Em auto-sacrifício
Se permitindo viverem
Intensamente
Dores ou bênçãos
E assim escrevessem
Versos onde se encontrasse
Sentimento em verdade!

Com Deus eu brigo...
Esmurrando o invisível
Porque me deu
O que pedi:

A tudo sentir
À flor da pele
Visceralmente
Sorvendo em odre
De vinho forte
Que entorpece

Não me importo
Se hei de dormir pelas sarjetas
Embriagado dos meus versos

Não me importo
Porque bebi sentimento
De safra genuína:

Amor verdadeiro
Dor que lancina
Tristeza que dá
Vontade de morrer
Rebeldia que se abriga
No peito do herói
Morto nas florestas da Bolívia

Vós bebestes
Sentimento opaco
Comedido
Pálido
Tênue
Da safra Estio do Sentir
E ainda
Falsificado

Estou indo
De partida
Em companhia do Vento
Porque pedi sentimento
Fui atendido
Por um Deus tão generoso
Que me deu Amor sem tamanho
E Dor sem alívio

Estou indo sozinho
Para que não sofra comigo
Ao Morro dos Ventos Uivantes
Porque grande lamento
Vindo de quem tanto padece
Assombra os vivos
E eis que sou
Em fantasma transformado
A contento dos meus versos




Rob Azevedo






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