quinta-feira, 28 de junho de 2007

O Eremita




O Eremita


Sendas tortuosas trilhei
Subi aos píncaros dos montes
À beira de penhascos
Mirei profundezas abissais

Não era pássaro
Lançando-me nos ares
Asas não se abririam
Não alçaria vôo cruzando os vales

No solo estéril
Pouco ou nada vicejava
Alimentei-me de lagartos
E cactos espinhosos

Do céu as nuvens desapareceram
E sob o Sol escaldante
Senti saudades
Dos dias chuvosos

Sedento
Roguei a Deus
Que somente um único regato
Em fio d`água entre as pedras
Encontrasse
Fosse refrigério onde nas mãos
Apanhasse aquela matéria cristalina
Que entre os dedos escorre
Levasse à boca, molhando-a
Escorrendo por meu rosto
Seguindo garganta abaixo

Tão poucos eram meus desejos
Em face ao mundo urbano em que vivemos;
Pomares com frutos
Uma fonte de água
Quem sabe mesmo um rio com peixes
Dias amenos, o alívio das sombras e brisas
Chuva que regasse a terra e o verde florescesse
E à noite
Um lugar seguro onde repousasse
Com mínimo de aconchego
Coberto e que não fosse
Nem muito frio ou muito quente

Desejos vitais somente;
Clima aprazível, alimentação e abrigo
E que nunca padecesse nenhum mal do corpo

Ah, homens urbanos
Citadinos
Metropolitanos!

Complicam a vida demais
Perdem-se nos entraves
De afazeres diários tolos
Inventados por vós!

A mim neste ermo descampado
Basta-me abrigo, água, alimento
Chuva de vez em quando
Dias não muito escaldantes ou gélidos
Prados verdejantes
Pomares e rios
O frescor suave das relvas macias
Para que descanse
Ademais
A magia do fogo
Aceso friccionando gravetos
Agasalhos do couro de animais
Deuses e minha arte arcaica
Para nutrir o espírito
E quando grita o instinto em cio
A companhia d`alguma mulher

Apartado do mundo moderno
Sou eremita
Lutar para que sobreviva
É minha sina
Resumo do dia a dia
E tudo se torna simples
Na simplicidade vital
Coisas pequenas são grandes
Cada detalhe importante

Água, fogo, abrigo, comida
Clima ameno, agasalhos, saúde
Saciar o cio da carne
Nutrir o espírito
Com deuses e arte

Viver uma escola
Professores o Céu
Sol, Lua, Estrelas
Nuvens, Vento, Chuva
Montanhas, Florestas
Desertos e prados
Animais e rios
E mesmo insetos

Necessidades do corpo
O desejo de aprender
Interagir
Sobreviver

Aborígine
Índio
Selvagem
Eremita
Apenas um homem
Vivendo do que dá
A Natureza

Relegado à Solidão
Ao Silêncio apartado do humano
Aprendi
Ouvir a Floresta
Canto dos pássaros
Fluir dos rios
Cantarolar da chuva
Estrondo dos relâmpagos
Zunir do vento
Grunhir dos animais

Aprendi
Ouvir a Deus
E quando os ouvidos aguço
No breu noturno escuto
O murmurar das estrelas
Ensinando o segredo
Do insondável Infinito

O Silêncio me fala
Mais alto à alma
Permitindo
Que ouça tudo aquilo
A que ninguém dá ouvido

Mesmo meu respirar
E batidas do meu coração
Escuto
Acompanhadas
De cada tênue ruído
Vindo em fração de segundos
De minhas alparcatas
Ao caminhar

Apartado do humano
O Silêncio me ensinou
Ouvir meu espírito
E conversar comigo
Conhecendo Meu Eu
Compreendendo-o
O maior companheiro que tenho
Inseparável de Mim
Fiel e introspectivo

Dei-me conta do profundo
Inextinguível e sábio
Que mantinha guardado Meu Eu
Para dizer a mim
Com ele de fato aprendi
Em Deus que habita n`alma
Dando vida ao corpo

Um dia me disse:


- Nas coisas pequenas
Gratuitas
Encontra-se
O valor da existência

As grandes
São adereços fortuitos
Que inflamam o ego
Cegam os olhos do espírito
Desviam-nos do caminho
Roubando-nos
A simplicidade do importante
Que reside
No pequeno e gratuito


O Eremita
Refugiado em si
Contemplado pelo Silêncio
E companheiro em seu livre arbítrio
Da Solidão
Bebeu a Fonte do Saber
Embriagou-se
Tornou-se Homo Sapiens
Veio à praça pública
Pregou
E foi considerado louco
Pelos símios quadrúpedes



Rob Azevedo






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