quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Maldito




Maldito




Obrigado
Por me fazer sentir um palhaço
Enxergar que não sou o gênio da lâmpada
Dar-me conta que meus versos são tortos
E que minha cultura se assemelha a de uma anta

Muito obrigado
Por quebrar em mil pedaços
Meu espelho de Narciso
Que me era tão caro

Sentir-me envergonhado
Por entender agora
Que minhas palavras eram descabidas
Meus atos impensados
A visão de mim mesmo
Distorcida
Embaçada em delírio

Muito obrigado por tudo
Por me convencer um louco
E me aconselhar remédios
Que tratem da minha loucura
Junto com duas sessões terapêuticas semanais
No divã de um psiquiatra

Muito obrigado
Por me fazer sentir uma grande farsa
Abstrata, imaginária
Rotulada numa terminologia médica esdrúxula
E num código alfanumérico

Muito obrigado por me encabular tanto
Com aquele sentimento
De que sou uma peça da engrenagem social
Mal ajambrada
E que devo estar
Lá do outro lado
Do alambrado

Muito obrigado
Por eu estar agora
Coçando meu queixo pensativo
E repuxando os cabelos
Com ar de espantado
E complexado
Inferiorizado
Feito um rato
De esgoto

Compreender que na verdade eu não existo
Nunca existi
Somente andei contando mentiras a todo mundo
E me enganando
Sempre vendendo o que não tinha
E comprando
O sopro do vento

Sou uma construção de barro
Que eu próprio ergui
E agora se desmoronou
Virou lama

Sou um boneco de cera
Que se derreteu
Sob a luz do Sol

Sou um castelo de cartas de baralho
Que caiu todo espalhado

Sou uma escultura de areia na praia
Que a onda levou

Sou o Moinho de Vento de Don Quixote
Julgado um gigante com uma espada
Vindo em ordem de batalha

Sou uma piada!
A galhofa dos meninos da rua
Sou aquele louco
Que vive dando voltas e mais voltas
Sempre no mesmo quarteirão
O dia inteiro
Falando sozinho e gesticulando
Olhando tudo com olhos insanos

Sou o engano
O que engana
E o enganado
O que está sempre errado
Enquanto os outros certos

Sou o patinho feio de borracha
A ovelha negra renegada
O marginalizado que vive num gueto
Refugiado

Sou o astronauta
De Júpiter
Que caiu na Terra

Um ser estranho a todos
De uma cor diferente
Um metro de altura
Tenho antenas
Olhos grandes
E orelhas pequenas

Sou a confusão
O que confunde
E o mais confuso
De todos
No meio do tufão

Sou um diagnóstico neurológico
Escrito em grego
Que pode se complicar
Em dez anos

Sou a patologia malquista
O masoquista da esquina
O bêbado arrumando tumulto
O equilibrista que caiu da corda bamba

Sou uma miragem no deserto
O desterro da razão
O enterro da lógica
A equação sem solução

Sou o desalmado
A farpa espetando
O café amargo
A pedra no sapato
A unha encravada
O som alto
Quando querem dormir

Sou um martelo estilhaçando
Um bumbo alardeando
Metralhadoras disparando
Trovões rugindo

Sou o temporal
O fantasma que assombra
O lado negro da Lua
O uivo do lobo
O carrasco encapuzado
O corvo que te espreita...

Sou o incompreendido
Por ser
O poeta maldito
E este
O último poema
Que a ti dedico



Rob Azevedo











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