sexta-feira, 25 de abril de 2008

Tratado Filosófico Poético...




Tratado Filosófico Poético

E Bíblicopelo tamanho
Em muitos ângulos
Até Concluir:
Eu Não Sabia!




Quando eu me for
Desta vida
Direi comigo:

Não foi feia nem bonita
Não foi doce nem amarga
Não foi leve nem pesada
Não foi cinza nem colorida

Direi essas coisas comigo
Quando me for
Para que tenha consolo
E pareça brando o tempo
Em que estive no mundo

Não tão boa
Nem tão ruim
Uma garoa à toa
Caindo
O dia inteiro

Não foi festa em circo
Nem irreparável castigo

Não fiz
Quase nada do que quis
Engavetei sonhos
Rasguei a planta do castelo
Que imaginei um dia
Sorrindo diria:

Eu construí!

Não fui triste de morrer
Nem feliz
Por mais de uma semana
Ainda que tão pouco refrigério
Fosse aquela felicidade
Feita de ilusão
No fim das contas se conta
Subtraindo na soma
Do pesar

Foi um viver por aqui estar...
Que jeito há
Senão viver?

Uma nuvem branca passando no céu despercebida
Um caminhar sem ter aonde ir
Uma pergunta no ar:

Qual razão de existir?

Fosse uma estação
Diria Outono...

Fosse uma canção
Diria uma Bossa-Nova
Daquelas melancólicas
De fossa, nostalgia
Lembrando tardes vazias
Depois de um carnaval que se finda

Fosse uma partida de futebol
Diria um zero a zero
Sem perigos de gol

Fosse uma nota
Diria um cinco

Se me perguntassem o que achei
Diria mais ou menos

Caso fosse a pergunta
Valeu a pena ter vindo?
Diria não sei

Decerto
Não foi a vida que queria
Foi como um famigerado ruminante
Apenas mais um
No imenso rebanho
Ruminando um naco de capim
Filosofando
Com os olhos postos
No pasto cercado
Um pouco detrás
Do matadouro

Aquelas questões filosóficas
Lugares-comuns
Clichês
Vindo à tona:

O Nada
O Sem Sentido
O Absurdo

Qual razão
De toda essa grande droga?

No entanto
Minha sina
Ainda deu pra ser vivida
E não havia mesmo
Outra saída...

Como um cacto vicejando no deserto
Mas por bem pensante
Adaptei-me ao estéril
Cri no etéreo
E sorri quando pude
Sem graça, confesso

A tudo fui levando
Tão somente porque existo

Algo ao meu gosto
Aqui e ali
Garimpando encontrei...

Um bom livro...
E outro...
E outro...
Uma biblioteca inteira...

Virando páginas
Vi tanta coisa
Que me deu alívio
Nessa vida sem colorido!

A história da humanidade
Sempre foi uma árdua luta
De dor
Pouca felicidade
E muita loucura

Tudo tão no superlativo absoluto extravagante
Espantoso aos olhos gritante
Vomitado por bufões dementes
Entremeado por espasmos de cavaleiros andantes
Que ainda com aquela pontada de dor conseqüente
Encontrei um manancial de alento
Entricheirado no passatempo ao meu grado

Afinal, um mundo interessante...

O que seria de mim
Sem os livros
Sem a cultura?

Essa deusa que me concedeu
Ao desprezo que a vida me deu
O poder
Desprezar um tanto a vida

Deu as costas para mim
Eu para ela
Estamos de mal

Viver eu posso sem a vida
Há o mundo intelectual
Do qual
Sou afeito

Trilhando tortuosa senda
Margeada de árvores ressequidas
Sob o Sol causticante
Cruzei a campina
Avistei pomares
Onde colhi maduros frutos
De exuberante Literatura

Deparei-me num bosque
De solitude e rigores, é vero
Mas de cenário ameno
Existindo no intelecto

Nele fiz morada
E tão cheio de viver a sós comigo
Compreendi que me era fundamental da alma
Ser bem rico
De modo que eu me bastasse
Fosse meu próprio abrigo
Água, alimento
E válvula de escape
Pro instinto

Assim
Em mim
Ajuntei tesouros
Invisíveis

A vida continuou
Sem ser boa nem má
Não foi das melhores
Nem das piores

É fato:
Não foi a vida que quis
Não fui feliz...
Mas sabe de uma coisa?

Dos males o menor
Também não fui tão triste
Daqueles que o diabo sente dó
Poderia ser pior

Sentei-me à mesa
Meu manjar veio frio e insosso
Sem sabor
Com gosto de isopor

Ao lado um copo de água
Da torneira

Mas tive meu prato
E o que beber...

É nefasto
Mas sempre
Meditar sobre a miséria alheia
Num mundo de mazelas tão colossais
Nos faz um certo bem
E temos consolo
Rindo sem tino
De piadas
De humor negro

Então
Dei meu jeito
Cacei com gato
Comi pedra e areia
Encontrei água no lodo

Adaptei-me ao deserto
Procurei algo ao meu gosto
Encontrando me entretive
Passando o tempo
E a vida fui vivendo...

No fundo
Não nego
Entranhou-se em mim
Aquela sensação
De desperdício, lástima
Pelas coisas – ah! Tão belas! Ah! - que poderia ter vivido
Da forma como sonhei
E não as vivi
Somente as sonhei
Enquanto passavam por mim
Ao alcance das mãos
Desejosas em serem colhidas
No entanto
Não pude sequer tocá-las

Esse pesar dói, sangra...
Mas não mata
E estou vivo...

E o destino de todos
Não importa
É o mesmo...

Tão logo as flores murcham
E seremos pó
Esquecidos
Havendo a passagem
Sido malquista
Ou de bem-aventurança

Ao menos
Para quem tem
Olhos
Ouvidos
Ou ainda algum sentido
Pode-se ver o Sol nascer sobre o mar
Sobre os campos
Ou por detrás das montanhas
Num dia límpido

Pode-se ouvir os pássaros silvestres cantando
Em algazarra nos pomares carregados
Ou o canto das ondas marinhas
Lambendo a praia

Pode-se sentir o ar matutino
Das serras verdejantes
Entrando no corpo humano
Tomando os pulmões

Pode-se sentir a textura das pétalas de rosas
Ou do pêlo dos dóceis animais domésticos

Pode-se sentir o repouso benéfico do sono
Quando dormimos

Pode-se sentir o perfume
Das primaveras

Pode-se sentir na pele
O calor do Sol aquecendo
E o frescor da brisa
Dando alento

Pode-se sentir o gosto
Das frutas maduras
E sentir mesmo prazer
Na água límpida
Escorrendo na garganta
Ou banhando nosso corpo

Pode-se sentir
O Amor de alguém – ou de algum cão ou gato
Por nós...

Isso tudo é a vida!

Não só a conta bancária...
Aquela moça bonita...
Aquele Amor que não deu...
Viagens não sei pra aonde...
Noitadas...
Festas...
Farras...

Não só aqueles sonhos
Que não podemos realizar
São a vida...

O Sol é a vida!
A ar puro das manhãs é a vida!
A Lua é a vida!
As estrelas são a vida!
As flores são a vida!
Todo o verde é a vida!
A chuva é a vida!
O mar, os lagos, os rios são a vida!
Os animais das florestas e das águas são a vida!
A música e os sons da natureza são a vida!

Tudo é vida!

O que se dirá então
Ainda temos a Arte
A cultura...

O pesar depende
De onde fixamos nossos olhos...

De um lado tudo é cinza
Do outro dourado
De um lado desterro
Do outro refúgio

Se nalgum ponto não se encontra a felicidade
Ande mais um bocado
Procure além
Abrindo bem os olhos
Aguçando os ouvidos

Tão somente partir em busca dela
Já é um grande bem
É a jornada
Enquanto o parar
É a morte, o nada

Talvez não a encontre
Como eu que tanto digo...

Mas saiba
Felicidade não é isso ou aquilo
É um estado de espírito
De quem
Dá valor no que tem

A grande lição:

O que temos vale bem mais
Do que tudo o que não temos

- Sem comparações, nem de longe! -

Por que então tanto se lastimar
Pelo que não se tem?

Reflita...

Talvez ainda assim
Embora não seja triste
A felicidade não encontre
Nem realize aqueles sonhos tão acalentados
Como eu
Que tanto digo

Mas tenho convicção
Encontrarás a paz
O equilíbrio
A compreensão da vida
E algo que para ti
Seja bom

Sempre dizem:
Isso é sabedoria!
É pé no chão!

O resto é quimera
Que vendem
Os mercadores de ilusão

Queira
Pense positivo
Peça
E consiga
Isso...
Vende na banca da esquina!

Não tem segredo
O Segredo
É enganação!

Não existem tábuas de Moisés
Com os dez mandamentos da felicidade
Nem tampouco eu sou o profeta
Pregando a salvação

Mas a vida, compreenda
É TUDO
Não meia-dúzia de coisas definidas
Se não tem isso
Há aquilo
Se não se encontra aqui
O que se busca
Há de se encontrar lá
Ou em algum lugar

Se algo é ruim
Outra coisa é boa
Se algo nos entristece
Outra coisa nos alegra

Procure e faça o que goste
Dentro do que se pode...

Pense um bocado!

Cada pessoa é única
Não existem fórmulas
Nem receitas

Uma caminhada ao amanhecer ou cair da tarde
Pela cidade
Ou num belo parque
Ou areia da praia...

Um passeio de fim de semana
Eco-turístico
Numa cidadezinha próxima
Daquela bucólica
Na zona rural...

O verde faz tão bem!

Filmes, TV, música, livros
Um jogo de xadrez...

Um punhado de bons amigos
Gente interessante...

Artesanato, pintura, escultura, escrever
Algum esporte
Ginástica ou hobby

Espiritualidade!
Em casa consigo
Ou nos recônditos
D`alguma igrejinha por perto...

Tanta coisa boa nesses meios...
Fraternidade, lições, cantos...

Ter sempre em casa
Na medida do possível
O que se goste:

Flores em jarros...
Alguma fruta que muito apreciamos...
As músicas que gostamos
Bem à mão

Nosso lar e, principalmente, refúgio no quarto
Sagrado
Bem do nosso jeito
Como podemos

Mesmo decorar a casa
Pô-la com a nossa cara
É algo que pode nos dar
Muito prazer

É nosso castelo
Que construímos...

Comprando num mês um quadro
Noutro uma estatueta pra estante
Além mudando o lustre da sala
Depois comprando um tapete com belos desenhos bordados...
Um móvel novo...
Um artigo qualquer de decoração...
Repintando a casa...

Uma saída à rua na noite...
Pra ver nova gente
Buscar diversão
Uma paquera
Um namoro

Se algumas dessas coisas
Não se encaixam
Não dão certo
Há muitas outras mais
No âmbito da simplicidade
Das coisas bem simples

Pense!

Encontre o que goste, o que lhe entretém agradavelmente
O que lhe faz bem e lhe é possível

Se empenhe nisso
Porque é importante!

Quanto mais coisas que gostamos fazemos
Mais gosto pela vida temos
Mais ela nos prende

Assim surgiram
Os grandes artistas
Os grandes desportistas
Os grande alguma coisa...

Tamanho gosto tomaram por algo
E nele se encontraram
Que se tornaram
Gênios no ofício

Menos, menos...
O apenas lhe entreter em seu tempo
Agradavelmente
Enchendo a vida
É um bem pra saúde
Mas se dedique!
Leve a sério o que gosta!

Não vendo fórmulas
Mágicas
Do pense positivo e conquiste
Nem sou feliz, feliz...
Já o disse!

Também não sou triste!

Sou alguém
Que viu uma multidão de sonhos
Tomarem o bonde sem mim
Partirem

Pra quem a vida não foi
Um pálido facho
Do que desejava

O que poderia ter sido é um martírio
Já o disse, me confessei

Sou alguém comum
Como tanta gente
Nesse mundo estranho

Se não sou feliz
A tristeza em mim não dura
Não cria raízes
Nem me rouba o riso
Por alguma coisa à toa
Mesmo que me venha no rosto
Amarelo, sem graça
Vem
É o meu jeito
Rir ainda com meu riso
Faz bem
Rir sempre faz bem

Do bom humor eu digo:
Não abro mão
Sou divertido
Piadista de improviso
Espirituoso
Palhaço de picadeiro
Invisível

O mais intrigante:

Zombeteiro
Do mundo inteiro
E de mim mesmo...

O que somos senão
Abelhas zunindo?

Bufões embriagados
Pela ilusão do carnaval momentâneo?

Afinal...
Do que tanto falei...
Felicidade existe
Ou é mero entorpecimento?

Há que se discernir bem as coisas...

Paz no sentido amplo
Não é momento
Não é maré cheia ou baixa
Não é bonança nem vaca magra
A paz independe de tudo
Do que nos dá o mundo

A felicidade
Sempre depende de alguma coisa
Ou coisas
Daí o perigo
A incerteza
A inconstância

É feito uma colheita
Se não vem a chuva
O plantio estraga

A felicidade é um ópio
Atraente, desejado
Todos querem, eu também
Mas a paz
Vale mais
Não é questão
De se escolher uma coisa ou outra
Que se tenha as duas
Mas o que levo em conta
É a solidez do bem

Há um milhão de coisas na vida
Que não deram certo pra mim
Coisas que não vivi, nem viverei
Sonhos que não realizei e sei
Não realizarei

Mas o pouco que tenho vale bem mais
Do que todas essas coisas juntas...
E não me custaram nada
São de graça
Ou me vieram do esforço aonde vinguei

No fim, me amoldei, me adaptei
A história da vida na Terra
Sempre foi assim

Há vida na floresta
Há vida na água
Há vida no deserto
Há vida no alto
Há vida no baixo
Há vida dentro
Há vida fora
Há vida no frio
Há vida no quente
Cada qual adaptada
Ao seu ambiente

Resistir, sobreviver
É a lei da vida
A nós que temos mente
Nos adaptando
A façamos atraente
No melhor que podemos

Assim não seremos tão somente
Uma bactéria resistente
Um cacto vicejando na rocha estéril
Não pensante
Nem tampouco
Seres lamuriantes

Queixumes não mudam as coisas em nada
Para melhor
Sequer as deixam como estão
Somente pioram
São boomerangs
Que se voltam contra nós

Sempre há algo bom
Ao alcance das mãos
Se estas não estiverem tão empenhadas
Em se auto-flagelarem
Por não haverem alcançado
O que não deu

Enquanto o menino chorava o leite derramado
Todas vacas leiteiras que haviam no pasto
Morreram
Ele chorou e chorou
Enquanto o suco de laranja que havia
Estragava
Quando se pôs a chorar a perda do suco
E se demorou
Todas laranjas da dispensa
Apodreceram
Ele chorou de novo
Enquanto as laranjeiras dos campos definharam ressequidas

Chorando enquanto
A última gota de água do regato secava
Morreu de sede o coitado
Bebendo as derradeiras lágrimas

Não cuidou do que ainda tinha
Embaçados os olhos pelo pranto inútil
Não viu o que poderia...

Como tudo muda
Após refletirmos profundamente
Em frente e verso
Prosa e poesia
Quando eu me for
Desta vida
Direi comigo:

Não foi feia nem bonita
Não foi doce nem amarga
Não foi leve nem pesada
Não foi cinza nem colorida

Afinal...

Eu era feliz e não sabia!



Rob Azevedo







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