quinta-feira, 26 de junho de 2008

O Caminho das Rosas




O Caminho das Rosas

- Um poema ensaio sobre o mito Don Juan –



Não, o Don Juan da minha história
Não era
Um conquistador
Conquistador é aquele
Que parte em busca
Do que deseja conquistar
Luta
E o conquista

Ao Don Juan de quem contam meus versos
Não era preciso
Partir em busca dos seus objetos de desejo
Tampouco por eles lutar
D`alguma forma
Para que os tivesse

Ele não procurava
Era procurado
Não ia ao que desejava
Vinham até ele o desejando

Não era preciso “luta”
A “batalha” de pronto
Já estava vencida
E se rendiam aos seus pés
Amando-o

Entre as flores tantas
Que espontaneamente se ofertavam
Colhia aquelas
Que lhe apeteciam a carne e a alma
E pudesse
Atendê-las
Na medida do possível
De acordo com a demanda

Interminável...

As não contempladas
Que lhe fossem somente
Admiradoras
Sonhando algum dia detentoras
De seus favores

Este Don Juan
Às mulheres
Era fonte de água
Em meio ao deserto
Aonde todas vinham beber
Era Meca, cidade sagrada
Para aonde todas peregrinavam
Em romaria

Poder-se-ia então dizer
Que ele era um conquistador
Sem que nenhum passo
Ou medido ato
De sua parte fosse necessário?

Nada fazia
Vinham até ele por livre e espontânea vontade
E se entregavam...

Que o definam então
Com outro adjetivo
Conquistador
É inexato...

Era um deus adorado
Contemplado a cada instante
Com oferendas incontáveis:

Corpos femininos

Devassá-los
A quem se doava
Bênção e honra
Pela carne e alma desejada
Na consumação consagrada
Como Amor entre deuses
Pois de simples mortal
A mulher que se entregava
Em deusa se tornava

Este Don Juan
Um patrimônio intocável de toda mulher
Como um monumento histórico da humanidade tombado
Era perfeito encaixe
Dos mais ardentes e sonhados desejos femininos

Aquele que todas
- Bem-aventuradas –
Mereciam

Tê-lo redenção
De todos pecados
Tudo era perdoado

Não era tão somente ser humano
Mas em cada detalhe
O desejo feminino
Mais puro, ardente e genuíno
Personificado
Em homem transformado
Da matéria ao espírito
No ser e no ato

Era tudo o que a mulher desejava
Em sua feminilidade liberta
Inteiramente aflorada

Assim o reconheciam
Com os cinco sentidos
E mesmo
Com o sexto-sentido
Intuitivamente

Tão logo nenhum pudor
Nenhuma divisão eu e tu
Nenhuma fronteira intransponível
Nenhum receio
Nem peso na consciência ou segredo

Com ele
Tudo de-li-ci-o-so...

O mais inconfessável desejo
A sete chaves trancado
Tão natural
Dito sem rubor ou medo
Inteiramente satisfeito
Com a inocência
De crianças brincando
Embora se ardendo
Como homem e mulher
Adultos e libertos
Devotados
Num ritual sagrado

Não se viam diante dele
Mas frente a frente aos próprios desejos
Cada um deles
Sem censura alguma
Na certeza
De realizá-los
Plenamente

Não conversavam nem lhe davam com ele
Mas consigo mesmas
Não faziam amor com ele
Mas com seus anseios libidinosos mais íntimos
Daí se sentiam
Inteiramente à vontade
Livres na totalidade
Da liberdade
De consciência livre
De qualquer senso
Que o prazer julga e reprime

Nas mãos de Don Juan
Abençoada liberdade
De ser mulher inteira
Sem fronteira
Nem erro

Eternizado no tempo
Vive aqui dentro
E diz:

- Eu sou aquele que é...

Don Juan
O desejo feminino
Em homem personificado...

Saciá-lo
Com esmerada perfeição
Meu prazer impagável
Canção
Que ressoa nos sonhos
De todas mulheres


E dizem estas:

- Bem-aventuradas aquelas
Que o têm
Porque delas
É o Reino das mulheres que em verdade
Gozam...

O Amor




Rob Azevedo







domingo, 15 de junho de 2008

Tudo O Que A Vida Nos Permitiu




Tudo O Que A Vida Nos Permitiu




Se não houver amanhã
Haverá o ontem
O tempo vivido
Que passei contigo

Não o pesar
Pelo trem que se foi
Sem que tenhamos nele embarcado

Porque embarcamos!
Viajamos!
Conhecemos lugares
Que só o coração daqueles que amam de verdade
Pode visitar

Se o acaso da vida quis
Que houvesse uma estação de desembarque
Um ponto final pra nós dois
E tu seguisses teu caminho
Eu o meu...

Vivemos o que foi
Nalgum tempo hoje...

Não apenas deixamos
Que se tornasse ontem
Sem o termos vivido

Tenho lembranças
Para recordar
Histórias
Para contar
Que me engrandeceram
Tenha certeza!

Tornaram-me maior
Ser o que sou
Construído tijolo por tijolo
Com ajuda
Das tuas mãos

Aquela tarde
Serena e leda
Em que sentaste comigo na relva macia
A ouvir dos pássaros a melodia
Sentindo o vento
Acariciando nossos rostos
Colados um no outro

Há algo que a pague?

Pergunto...

Há algo que a apague?

Aquele momento mágico
Eternamente na alma gravado
Em que me disseste
Tudo o que sentias por mim
Eu, exultante, muito ouvi
Até que anoiteceu
E retribuí
Dizendo-lhe tudo o que sentia por ti
Encabulado, no entanto
Tu bem sabes
E eu confesso

Porque tudo
Dá-nos a impressão de um mundo de coisas
Que não cabem ser ditas em horas e horas sem fim...

Tudo é imenso
Uma enormidade deveras grande
Constelações
Os peixes do mar
O infinito...

Então encabulei
Aflito...

Porque tudo o que sentia por ti
E tinha pra lhe dizer
Sabendo que era tudo
O que podia lhe dar
Se resumia
Numa única coisa
Somente uma
Abstrata ainda
Como são todos os sentimentos
Que não se podem tocar
Nem ver...

E nem me veio à cabeça mais nada... Só aquela única palavra...

Vasculhei do porão da minha alma
Ao sótão
Cada cômodo
Parte por parte
Minuciosamente
Sem nada mais encontrar...

De mim para ti
O tudo
Esse tão abrangente tudo
Que nele cabe o mundo
Era uma coisa apenas
Ainda abstrata
Intangível
Invisível...

Senti-me pobre
De sentimentos, sei lá!

Mas valeu a confissão
Pois o meu tudo
Sendo uma única coisa
Era TUDO...

AMOR

Refletido nos olhos
Um do outro
Éramos espelhos

E viajamos juntos
No trem da vida
Até aonde deu:

O Adeus

Mas o ontem
Foi um hoje
Que vivemos
Não agora um remorso
Por tudo que poderíamos ter vivido
Sem tê-lo...

Assim seguindo meu caminho
Levei-te comigo
Serena e leve
Seguindo o teu
Levaste a mim
Gravado no peito
Leve e sereno

Porque tudo
Tudo o que sentíamos
Um pelo outro
Nos dizemos
E vivemos

Agradeçamos
E rezemos
Aquela prece
De outrora
Lado a lado
Ainda que o hoje
Nos tenha distantes

E nos elevemos aos céus
Juntos mais uma vez
Pelos elos inquebrantáveis da gratidão
Por sabermos que vivemos
Tudo o que a vida um dia nos permitiu



Rob Azevedo





sábado, 14 de junho de 2008

Flora




Flora




Senhora e rainha
Da minha trova
Do verso que aflora
Na paixão implora:

Se tens olhos
Os volte pra mim
Aos meus que choram

Se tens coração
Guarde nele
Minha canção

Se tens alma
Alva como a neve
Cobrindo os campos
Ouve com ela
Minha querela:

O belo
Tornou-se feio
O contente
Lastimoso

Nada mais me apetece
Nem as estrelas
No céu que anoitece

Porque não me viste
Minha vida leda
Tornou-se triste

Meu canto
Mar de pranto
Porque partiste
Ainda antes
De chegares a mim

Desaventurado, nalgum instante
Ao acaso te feri?

Perdoa-me, senhora e rainha
Se as rosas
Abrigam espinhos

Haverei de podar
Das roseiras
De aqui e acolá
O que possa tuas mãos
Sangrar

Se meu pecado
Nos presentes que te trago
Foi carecer de mérito
Devotado em cada gesto
Ser indigno...

Perdoa-me, ó deusa
Senhora e rainha
Da minha trova
Que te implora:

Volta!

Com flores te presenteio
Aquém do teu merecimento
Compreendo:

Não és nenhuma delas...

És flora!

Todas elas...



Rob Azevedo





Conjecturas Poéticas




Conjecturas Poéticas



Todas as cartas de amor são ridículas
Disse Pessoa...
Ai de mim!
Que vivo a escrever
Cartas de amor sem fim

À Maria,
Antônia,
Joaquina...

A todas
E a ninguém...

A este pobre poeta
Tal devaneio
Convém
O Amor é a tinta
Da minha pena

A folha branca, a linha
O berço do poema

O dedico a quem?

A alguma senhora nobre e distinta
De certo...

Mas por que lhe escrevo?

Por que a amo?

Ou tão somente
Há de haver algum pretexto
E me engano?

Pessoa reescrevo:

Todas as conjecturas dos poetas
São ridículas.


Rob Azevedo






quarta-feira, 11 de junho de 2008

Navio Fantasma




Navio Fantasma




Do tombadilho vejo vagas
Açoitando o navio
Estouram brancas espumantes
Em rompantes de ira
Vindo e voltando
Subindo e descendo
Seguimos perdidos
Adernando a deriva

A noite escura nos toma
Nenhum farol nos guia
Sem Norte na bússola
Não se vê estrelas acima

Ruge o trovão do céu encoberto
Como o dragão das trevas rosnando
Sobre águas balouçamos
Do alto águas desabando

Em meio à tempestade
O estrondo das vagas estourando
O uivar do vento furioso soprando
A chuva, o relâmpago
São réquiens
Fúnebres canções malditas
Vindas do além

Range a madeira
Range o ferro
Nos espreita o rochedo

Breu profundo...
Só as vagas espumantes são brancas
São mortalhas tremendas
Castigando o navio
Impiedosamente
Envolvendo-o

Uma noite apenas
Na extensão da eternidade
Quiçá desaguando na morte

Importa-nos?

O que somos?
Senão mortos
Na treva funda amaldiçoados
Do descanse em paz desterrados
Como tripulantes degredados do navio fantasma
Navegando sem leme
Por mais uma noite
Na extensão da eternidade...


Rob Azevedo





terça-feira, 10 de junho de 2008

芸者




芸者



Aonde o Sol nasce
No Leste
O mundo se reveste
Do encanto da flor
Do Salgueiro

Fina na Arte
Da pétala ao cálice
Artífice
Do enleio sedutor
Mestra
Na dança e canto

Penteado em forma
De pêssego
Maquiada de branco
Rosto de boneca
De porcelana
Vestida de quimono

Elegante
Culta
Delicada
Como um tesouro guarda
Milenar tradição

Insondáveis mistérios
Nos olhos riscados
Baixos
Na voz velada
Suave
Afinada em gestos
Graciosos

Do outro lado do mundo
Buscando absorto
A Gueixa dos meus sonhos
Cruzei arrozais
Cheguei à cidade
Orei no pagode
Perambulei taciturno
Pelas ruas de Quioto

À luz de lamparinas
Névoas se esfumam
E caem
Finos flocos de neve

A noite é fria
A rua vazia
Toda palavra dita ou escrita
Um enigma...

芸者

Ó Gueixa!
Dama de polidez
Valorosa e tão assídua
Em meus sonhos...

Numa casa de chá
Imersa na penumbra
Vinda de velas em castiçais
Encontrei-te
Incomunicável nas palavras
Compreensível nos sentidos e alma

O encantamento
A sedução
Tem sua linguagem
Silenciosa

Que se parta a ilusão!
De amante por prata
Dolente engano
Veneno na água

Que se separe
O trigo do jôio
Nos ampare
O Iluminado

Nem da terra se perca
Vossa imagem soberba...

Que minhas mãos a toquem
A envolvam
Deslizem na pele nua
Não por prata
Como dizem outros
Mas pela simples e pura
Beleza da Lua

Ó Amor!
Vinde sereno
Límpido
Derramar seu bálsamo
Sobre nós
Nessa noite em Quioto
A sós
Numa casa de chá

Lá fora
As ruas são vazias
A noite desolada e fria
Arranha-céus desertos
De solidão e agonia

Descansam do dia após dia
De árdua labuta

Ao nascedouro do Sol
Oferto meu canto
Que seja o lenço
A lhe enxugar o pranto

Esse que enxugo dos meus olhos
Porque eu peregrino mundo afora
Sabedor que ainda há
O que virá no luzir da aurora
Encontrei
A Gueixa dos meus sonhos


Rob Azevedo





Lilases




Lilases




O arrebol
Colore o céu
De lilás
A geada de fins de Outono
Os pampas
De branco
Entre brumas
Divina formosura
Se vislumbra

Uma menina
Vem vindo
Balouçando
O negro manto
De seu cabelo

Traz consigo
No rosto a suavidade do sorriso
Na mão tremente de frio
Um poema
Pequenino

O mais bonito!

Amar é ter casa na Lua
Pátria no Sol


Só isso!
Dois versos
Sob a luz lilás
Do arrebol

O resto
Não é preciso
Nem mesmo navegar
Nenhum mar
Nos separa

Agora eu vivo
Nada mais é preciso


Rob Azevedo





Quisera Tu Soubesses...




Quisera Tu Soubesses...
- O infinito é ínfimo diante –




Não sabes ainda, Jasmim
O que é passar a noite insone
Perdido de amores
Imaginando estar
Com quem amamos?

Ah! Nada sabes então
Das armadilhas do coração...

Eu que andei do nascer ao pôr do Sol
Cismando solitário pelos cantos
Lhe direi:

É o Amor que nos toma
De repente
Sem que escolhamos

É só ter olhos
Para um único alguém

É inebriar-se de encantos
Imaginando
Quando não podemos
Estar ao lado de quem amamos

É um pranto mudo
Com a cabeça posta no travesseiro
O peito doendo
O coração ardendo
Por tanto sentimento
Não caber em si

É suspirar a todo instante
Absorto em devaneios
Ter a cabeça ao léu
Os pés andarilhando
Nas nuvens

É escrever poemas sem que pare
Desenhar corações na branca folha
Atravessados por setas

É declarar-se a cada vez que encontramos
Quem dia e noite procuramos
Por este alguém
Sentir Amor sem tamanho

É estar sempre no confessionário
Mil vezes
Como em penitência a um pecado impagável
Confessando paixão

É crer que alguém é perfeito
Do início ao fim e meio
E a pessoa mais linda do mundo
Sem rival
Nem no monte Olimpo

Daquela beleza estonteante
Da alma ao corpo
Que nos estremece
Endoidece
Incendeia

Ainda que ninguém mais a veja
Nós a vemos
Em plenitude

É acreditar que o humano sentimento
Pode se estender no tempo
Da eternidade

É felicidade transbordante
Por uma palavra singela
Uma lembrança
E zelo demonstrado

Alegria que não se mede
Pela visão do objeto amado
Ao longe chegando

A voz desse enlevo tão desejado
Um cântico
Melodia
Sinfonia
Bálsamo
Poesia

Um olhar
Por ventura brilhante
A luz que ilumina o mundo
O nosso mundo interior

Três palavras
- Eu te amo –
Quando ditas em verdade
E o coração sabe quando
A liberdade
De voar à felicidade
Inundado de encanto

É dizer muito
E não dizer o tanto
Do que é o Amor
Que não se abrange
Nem no infinito

É transbordar-se
Transportar-se
Ao lúmen do universo
Casar-se com Deus!

É olhar a quem amamos
Ver um anjo
E desejarmos
Também sermos
Luz e pureza
Honrando
O Amor imaculado

É a vida tornar-se sonho
Acordado
E a vida que foi outrora
Tão somente sono
Profundo
Vazio
Sem sentido
Frio
Sem cor
Pálido

É termos cuidados
Exagerados
Com quem amamos

É saudade agonizante
Esperança que não se rende
Bem querer que não morre
Tudo o que ninguém entende

É fazer casa na Lua
Pátria no Sol

É mesmo ser demente
De lucidez radiante

É dor também...
Dor pra quem
É doce a passagem
Pro além
Quando viver já não convém
Se não se tem
O bem
Maior
Do Amor

Que tudo se acalme
Abrande o fogo e se apague
Carne torne-se pó
Alma tão só
Claridade

E a paixão se cale...

Que o Onipotente nos redima na morte...

Do Amor
Dizemos muito
Sem dizer o tanto
Do que mesmo o infinito diante
É pequeno
Ínfimo
Sopro do vento



Rob Azevedo